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RACISMO SEM RACISTA?

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Chegando mais um fim de ano e mais certo do que lojas com temas natalinos tocando a música da Simone ou a Globo exibindo mais um especial do Roberto Carlos, é que você leu, ouviu ou participou de algum debate sobre as cotas raciais.

Entra ano, sai ano e as pessoas continuam o velho e batido debate sobre as tais cotas, agora direcionadas aos concursos públicos.

Minha intenção aqui não é de defender ou criticar o sistema de cotas, afinal, já existem milhares de “especialistas” espalhados pelo Brasil exercendo essa função. Pretendo apenas levantar a questão: o brasileiro é racista?

Ouvindo a opinião das pessoas em mesas de bares, no ambiente de trabalho, no ponto de ônibus e, agora também, nas redes sociais, fica claro que o Brasil é um país extremamente racista quando está longe das câmeras de alguma emissora de tevê.

Aquele discurso de que somos frutos de uma mesma mistura ou de que por baixo da pele todo mundo é igual, é pura balela.

É tipo a história bonitinha que todo mundo sabe que deve contar. Semelhante à época da escola quando a professora perguntava quantas vezes tinha que escovar os dentes e a resposta aparecia em coro: três vezes.

Muitos alunos respondiam “três vezes” quando na verdade mal escovavam uma. Porém, sabiam o que a professora queria ouvir. E sabiam também que, se dissessem o contrário, os demais alunos juntamente com a professora fariam aquela cara de espanto e nojo, seguida por um longo sermão.

Ao meu ver, é assim com o racismo aqui no Brasil. Quando alguém pergunta oficialmente se a pessoa é ou não racista, a negativa vem de imediato. Mas, na prática a reação é outra. E, infelizmente, extremamente racista.

Percebo que após esses anos de debates sobre cotas raciais, ou as pessoas ficaram mais racistas ou o racismo ficou mais evidente.

E o maior absurdo é quando vejo alguém explicar o seu racismo pelo sistemas de cotas, dizer que as cotas é que geram o racismo é tentar justificar o injustificável. A pessoa é racista porque é, e ponto final. E debater com uma pessoa desse tipo seria o mesmo do que discutir religião com Hitler.

Entretanto, acredito que o debate sobre as cotas deve existir no âmbito político. Passar para o lado da “capacidade” é idiotice. Basta ler um pouquinho sobre as cotas e perceber que elas tratam de quantidade e não de qualidade. São uma tentativa de equilibrar a distância numérica que há entre brancos e negros nas universidades e órgãos públicos. E essa distância, cabe frisar, não tem nada a ver com capacidade, mas, com um contexto histórico em que só os brancos tinham acesso a estes setores da sociedade.

Portanto, penso que o debate deveria focar em: É justo tentar corrigir um erro de séculos em uma década? Corrigindo esse erro, não estariam gerando outro, como uma bola de neve, para as próximas gerações?

Agora, não me venha falar que negros ou brancos têm as mesmas capacidades. Pois, isso é óbvio, meu caro. E se não fosse, as cotas não reservariam quantidades de vagas apenas, mas também garantiriam provas diferentes entre negros e brancos.

O racismo está presente quando você sente que aquela “sua” vaga será preenchida por um negro. Afinal, é bem mais fácil alegar que você ficou de fora por que “deram” sua vaga para um negro do que reconhecer sua incompetência em conquistá-la.

O que me entristece é que esse “racismo mascarado”, que só aparece nas mesas de bares ou em conversas informais, é o mais difícil de ser tratado, pois, o professor que o combate por meio da educação, muitas vezes, é o cara que está dizendo os disparates racistas no bar.

E assim, aqueles alunos que ganhavam uma estrelinha na escola por saber que deveriam escovar os dentes três vezes ao dia, hoje, mantêm a fama de que vivem em um país onde todas as raças, credos e gêneros convivem harmoniosamente pulando o carnaval. Enquanto, na realidade, a mente de algumas pessoas anda mais podre do que os dentes da criança que não sabe escová-los.

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  1. K.Kliem
    13/11/2013 às 7:29

    Infelizmente na sociedade brasileira negros e índios não recebem as mesmas chances e oportunidades de ascenção. A discriminação por motivos de raça e classe social é latente e há que ser combatida. Agora aplicar um sistema de cotas somente para mascarar a injustiça social e estancar a desigualdade de tratamento entre as origens raciais é idiotice e não resolverá o problema mais grave da sociedade brasileira – o ensino básico de educação. A conquista de uma vaga na universidade deve ser resultado de mérito e capacidade e não por causa da cor da pele – branca, negra ou amarela.

    Para mim, o sistema de cotas é uma farsa. Já Guiomar de Grammont em seu texto “Ler deveria ser proibido” escreve: “Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.” Um povo educado se tornaria muito perigoso!

    • 13/11/2013 às 13:20

      Concordo com seu argumento, Karin. Na verdade, compartilhava desse pensamento até pouco tempo. É fato que o governo se aproveita das cotas para mascarar o ensino público, mas, um erro não justifica o outro. Supondo que amanhã a gente acorde e encontre uma escola pública dos nossos sonhos, mesmo assim, ainda haveria uma dferença significativa na proporção entre negros e brancos nos órgãos públicos. Porém, não tenho dúvidas que a partr de amanhã não haveria mais diferença entre eles.
      O que eu penso é que, assim como uma pessoa tem o direito de pedir na justiça ressarcimento quando se vê lesada pelo governo, a cota é um direto pelo que foi feito no passado pelo Estado.

  2. Alana
    13/11/2013 às 11:20

    Será que as cotas são mesmo o melhor meio de diminuir o racismo? Ou mesmo “ressarcir” os negros pelas injustiças históricas? Ao meu ver, cotas para negros aumentam o preconceito. Existem outros meios de diminuir a discrepância da educação entre os mais afortunados e a classe baixa (sim, porque existem negros ricos que serão beneficiados pelas cotas também). Por que não investir na educação em escolas públicas? Por que não oferecer capacitação gratuita para pessoas negras? Separá-los da competição com pessoas brancas é uma forma de preconceito sim, é uma forma de dizer que eles não tem capacidade para duelar no mesmo nível sim e é a forma mais maquiada possível de resolver esse problema que tem raízes históricas e culturais.

    • 13/11/2013 às 13:37

      Olá Alana, obrigado por comentar. Eu entendo, de verdade, o seu ponto de vista. E também concordo com ele, quando pensamos nas cotas como uma política de assistencialismo. Porém, o ponto de vista que levantei no texto aborda as cotas como uma reparação por um crime racial, portanto, tanto o negro rico como o pobre teriam o mesmo direito, de fato.
      Agora não aprovo muito a idea de que as cotas causam o racismo. O racismo já existe, e as cotas o deixam mais evidente. E nesse caso, o problema não são as cotas, mas, o racismo. Pensar assim seria o mesmo que achar compreensível uma mulher ser estrupada por que estava andando com roupas curtas na rua. Ou que fulano teve o carro roubado porque andava com caras rodas esportivas.
      Acho que toda forma de violência (inclusive o racismo) não pode ser justificável.
      Mais uma vez, obrigado por comentar. Sua opinião será sempre bem-vinda!

  3. 13/11/2013 às 18:58

    A discussão sobre cotas acaba fomentando uma discussão muito mais importante, a sobre racismo. Sobre sua pergunta no texto, sim, o Brasil ficou mais racista ao longo destes anos de debate e o racismo também ficou mais evidente. É que quem antes praticava o racismo ali na surdina, nas pequenas ações do dia-a-dia, agora tem a oportunidade de falar pra todo mundo ouvir suas ideias preconceituosas e isso faz com que um bando de desinformados ache o discurso muito bonito e passe a repeti-lo. Recomendo esta leitura: http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito/

    • 13/11/2013 às 19:26

      Oi Fabiana, obrigado por comentar. Você resumiu bem o que eu penso: “agora tem a oportunidade de falar pra todo mundo ouvir suas ideias preconceituosas e isso faz com que um bando de desinformados ache o discurso muito bonito e passe a repeti-lo” Perfeito! E gostei da sua recomendação, e o melhor é que com essa leitura algumas pessoas saberão que as cotas não se tratam de uma invenção do governo brasileiro. Muito bom! Obrigado!

  4. K.Kliem
    14/11/2013 às 16:32

    Olá Rodolfo,

    o brasileiro é racista. O alemão é racista. O francês é racista. O turco é racista e assim por diante. O racismo na forma em que se apresenta cresceu com o desenvolvimento do capitalismo. O racismo ajuda o capitalismo a sobreviver. Quem promove idéias racistas? Quem trabalha com preconceitos racistas? Quem colhe benefícios colocando os trabalhadores (independente da cor da pele) uns contra os outros? Quem saboteia ações coletivas? Quem semeia o individualismo e a competição? O racismo perdurará enquanto as diferenças imorais e discriminatórias entre pobres e ricos perdurarem. O Brasil com uma nação multicultural oferece um chão fértil para o cultivo do racismo, infelizmente.

    Seu novo post acabou de entrar: parabéns pelo lançamento de seu livro! Até breve, Karin.

    • 14/11/2013 às 16:40

      Obrigado, Karin!
      Disse tudo em seu comentário. Um sistema que determina vencedores e derrotados não poderia gerar outra coisa que não fosse desigualdade e, consequentemente, racismo.
      Abraço!

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